Nosso ônibus chegou dia 22 de abril em Praga para o 15º evento da turnê. Após agradecer por sobrevivermos mais uma jornada em um Flixbus, seguimos na tradicional mistura de longas caminhadas com pulão no trem para Letohradská 10. O espaço, conhecido também como L10, é um centro social comunitário ativo desde 2023, gerido pela associação Kolektivole e é a sede da Asamblea Abierta de Praga, grupo que organizou nossa fala. O espaço é alugado e fica bem no meio de um pátio entre prédios, contando com uma ampla área aberta, banheiros, uma sala com lareira, biblioteca e um piano. Ali acontecem apresentações musicais, reuniões, mostra de filmes. Tem também um bar e cozinha para eventos e ações solidárias. O coletivo da Asemblea Abierta existe desde 2014, e é formado por imigrantes de língua espanhola da Europa mas também da América Latina e começou a tocar o espaço há pouco mais de um ano.
Tivemos uma ótima recepção, tanto pelo pessoal do espaço, quanto por compas do Brasil que ouviram falar de nossa atividade e foram nos conhecer e saber mais sobre a Kasa Invisível e os movimentos sociais de BH. Ficaram surpresos por ver gente do Brasil ali na República Checa. Explicamos que estávamos numa tour que mais parecia uma corrida para o leste mesmo, para realizar nosso sonho de ver shows e conhecer Atenas, realizando o máximo de eventos pelo caminho – afinal, mesmo lançando livros, estamos sob as mesmas regras do punk rock: sem show, sem comida e sem hospedagem!
As organizadoras propuseram um formato dividido em dois blocos, um com a nossa apresentação e, após um intervalo, uma mesa redonda para respondermos perguntas e também debater temas relacionados propostos por participantes. Debatemos movimentos de moradia no Brasil, infraestrutura e recursos para movimentos sociais radicais, violência policial, dentre outros. Além disso, ouvimos relatos sobre os diversos impactos das guerras no Leste Europeu desde a desintegração do bloco soviético.
Ficamos hospedados no apartamento de um casal de amigos de uns velhos amigos. Ela russa, ele ucraniano, formando um casal improvável em tempos de guerra. O leste europeu como um todo está repleto de imigrantes buscando refúgio da guerra entre Rússia e Ucrânia – algo que veremos ainda mais adiante, na Eslovênia e na Sérvia. Conversando com eles podemos entender um pouco mais os desdobramentos dessa guerra, inclusive pelas posições muitas vezes confusas no meio libertário.
Nos dois dias que tivemos livres em Praga, aproveitamos para caminhar e visitar os pontos turísticos mais famosos dessa cidade com mais de 1.300 anos de história. Fomos à Ponte Carlo, ao Castelo de Praga e Museu Kafka – que não entramos porque ambos eram muito caros, mas ao menos fomos ao café junto ao Museu Kafka, que tem o mictório com a melhor vista que existe, diretamente para o rio Moldava. No último dia nos dividimos, uns foram visita o incrível Museu Alfons Mucha, que guarda gravuras, pinturas, desenhos, fotos e cadernos do famoso artista checo, que revolucionou as gravuras, litografia e foi parte importante do movimento Art Nouveau, na virada do século XIX para o século XX. Enquanto outros foram ao museu de arte moderna e contemporânea Veletrzni Palac. Um lindo espaço de arquitetura funcionalista e com uma imensa coleção de artistas modernos (principalmente impressionistas, cubistas e expressionistas). Além de vasta coleção de artistas tchecos e eslovacos modernos e contemporâneos. Havia também no espaço uma exposição sobre as formas de moradia em Praga, do início do século, passado pelo período socialista até a atualidade.
Fizemos uma parada para lanchar em um restaurante chamado Střecha, por indicação por uma amiga brasileira morando em Berlin que passou por ali com sua banda. O lugar tem uma proposta incrível: oferece um rango realmente barato, 100% vegano, e quem trabalha no local são pessoas que estiveram em situação de rua ou na prisão. A ideia é que elas tenham um lugar para trabalhar, estabilizar sua vida, pagar dívidas, encontrar moradia. E qualquer cliente pode também deixar um almoço pago para quem não tem condições de comprar. Além disso, o espaço é conhecido por oferecer recursos simples de graça para qualquer pessoa: água, banheiro, internet. E há também espaço para pequenas exposições e algumas obras de arte à venda. Uma verdadeira amostra do que um empreendimento simples pode ser quando feito por e para uma comunidade.
Além de tudo isso, caminhamos bastante e levamos nosso mascote Entulhinho para ver a Ponte Carlo, o Relógio Astronômico, o Castelo de Praga e sua vista. No dia 24 de abril, pegamos mais um ônibus noturno para acordar em Ljubljana, capital da Eslovênia, onde encontraríamos mais uma vez a banda Godspeed You! Black Emperor para o último show da sua turnê. Para nós, seria apenas o início de nossa visita aos Balcãs.