Ocupação anticapitalista, autônoma e horizontal localizada em Belo Horizonte
Relato da Feira Okupa Skina + Cura.Art em outubro!
Relato da Feira Okupa Skina + Cura.Art em outubro!

Relato da Feira Okupa Skina + Cura.Art em outubro!

Dia 24/10 rolou mais uma Feira Okupa Skina Solidária, dessa vez ao mesmo tempo que o festival Cura chega à Praça Raul Soares. Seguimos com a proposta de montar uma loja grátis com roupas e calçados, distribuição de caldos veganos e uma banca literária. 

Dessa vez, também houve distribuição de 100 marmitas para pessoas em situação de rua, ambulantes e demais trabalhadoras e trabalhadores precarizados, passantes e visitantes. Agradecimento especial à Duda e amigues que organizaram a distribuição das marmitas.

A Feira é pensada especialmente para fortalecer os laços entre as ocupações do centro e a população de rua. Quando a Praça Raul Soares recebe um evento artístico da proporção do Cura, é importante que essas mesmas pessoas se sintam integradas e acolhidas como os principais residentes e usuários do espaço. Produzimos e distribuímos um pequeno panfleto que busca pensar essas questões.

Segue abaixo o texto e o pdf para reprodução.

NOSSA CULTURA E ARTE PODEM SER AGENTES DA GENTRIFICAÇÃO?

Quando os espaços da cidade não são frequentados por pessoas brancas e com dinheiro, não são utilizados da maneira tradicional, institucional ou não servem para atividades ditas culturais e artísticas, é comum que eles sejam considerados “vazios” ou apenas “funcionais”. Nesse momento, é comum surgir um discurso, especialmente vindo da área da cultura, da necessidade de “ocupar e revitalizar” esses espaços. E, muitas vezes, essa ocupação não só ignora as atividades anteriores que ocorriam ali, mas também acaba expulsando as pessoas, para dar espaço a um outro público e a um outro uso.

A cidade de Belo Horizonte, como tantas outras, também tem um histórico de modificações dos seus espaços a partir de iniciativas culturais. O Edifício Maletta, o Mercado Novo, o Viaduto Santa Tereza e seu entorno são exemplos desse processo. Quando apropriadas pelo capital (como os ricos que investem e patrocinam eventos e empreendimentos para ter algum retorno em publicidade ou lucro em si), muda-se o público alvo, aumentando os preços de bens e serviços e, consequentemente, afastando quem não tem o perfil de consumidor daquele estilo de vida, como os trabalhadores ambulantes, as pessoas em situação de rua, ou até mesmo quem mora longe e apenas passa por ali. Longe de serem exceções, esses processos têm sido constantes na cidade!

A Kasa Invisível é uma ocupação urbana de moradia, centro social, cultural e político formada em 2013. Trazemos conosco as experiências anticapitalistas que nos envolvemos nas últimas décadas, como a Loja Grátis no Mercado Novo (2008-2009), o evento Domingo Nove e Meia (2007-2010) debaixo do Viaduto Santa Tereza, o Espaço Ystilingue (2007-2016) no Edifício Maletta, a Praia da Estação (2010) na Praça da Estação. Alguns desses projetos foram apropriados pelo processo de gentrificação, isto é, a reformulação mercadológica e social do espaço. A revitalização econômica operada pelo Estado e pelo capital constantemente se beneficia da derrota das pessoas, dos movimentos populares ou culturais em tomar e se manter nesses espaços, estabelecendo novas relações que não sejam meras trocas de serviços e mercadorias. Hoje, iniciativas que começaram como protestos já integram o calendário oficial de eventos da prefeitura.

Pensando nisso, parte da nossa atuação é a constante discussão e elaboração de estratégias para impedir que isso aconteça, ou, pelo menos, que não seja a nossa presença que acelere o processo. Essas estratégias buscam manter as pessoas por perto, e não expulsá-las para locais mais vulneráveis, o que envolve o apoio das ocupações e pessoas ao redor da Kasa, a realização de eventos acessíveis de todas as formas, entre outras.

Quando o CURA vem a praça Raul Soares, depois de participar de uma dinâmica bem sucedida que transformou a rua Sapucaí em “mirante e polo cultural”, em um momento em que, no entorno, diversos novos empreendimentos comerciais se solidificam alterando a dinâmica social e econômica da região, o policiamento aumenta e o uso de câmeras pelo Estado como “proteção” é não só bem visto mas requisitado, devemos nos perguntar: a cultura e a arte não são também parte da gentrificação crescente? É uma pergunta necessária principalmente quando, contra isso, há um aumento substancial nas ocupações do centro, uma explosão de pessoas em situação de rua e uma empresa como a Localiza que organizou o despejo da ocupação Anyky Lima na região da Raul Soares, acha interessante financiar um projeto de “revitalização” dessa mesma região através da arte urbana. Devemos refletir por quais motivos ambos eventos (desapropriação e evento cultural) fazem parte da agenda de uma grande empresa sem aparecer como uma grande contradição.

A Praça Raul Soares, por exemplo, nunca ficou vazia – exceto nas semanas em que praças foram cercadas e a população em situação de rua foi expulsa por força policial sob o pretexto do isolamento social. Seu público e seus usos mudaram conforme os anos (inclusive sendo durante muito tempo um espaço mal visto), mas ela não deixou de ser ocupada de diversas formas, continuando a ser um ponto de encontro importante da cidade. É usada como moradia, local para higiene pessoal para a população nas ruas, ponto de confraternização, espaço de trabalho, de passagem, de passeio.

Ocupar é sempre bem vindo, assim como propor e dar novos usos estéticos a cidade, integrando o grafite e o pixo que sempre disputam o espaço e desafiam as normas de uso da cidade. Porém, é necessário refletir de forma crítica e responsável sob os efeitos produzidos independentemente de nossa boa vontade e, principalmente, agir para que algo da comunidade se fortaleça para além do discurso vazio e estetizante da integração pela cultura e consumo.

Não é sobre não fazer ou não intervir, é entender as contradições e o poder do capitalismo em apropriar e passar por cima das nossas melhores intenções! Se queremos uma cidade diferente e uma outra vida, temos que ocupar com os de baixo e contra os de cima!

Se não estamos preocupados com isso, seremos parte do problema!

Coletivo Kasa Invisível, outubro de 2021

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *