Nosso nono evento da tour (10/04) foi no Lentilleres, um terreno de 8 hectares ocupados a 14 anos na cidade de Dijon. A ocupação começou com uma horta para protestar contra a política de revitalização da área pela prefeitura. A relação com a terra, a produção de comida e vida comunitária é uma das bases da ocupação. Há no Lentilleres uma junção muito potente de diversos usos e tipos de ocupação, casas que já estavam lá e foram ocupadas (como o Chez Papi, a ocupação que nos abrigou e que tem além de tudo uma questão vegana e agroecológica muito importante), como casas autoconstruídas. A atual proposta é que absolutamente todas as autoconstruções atuais possam ser revertidas e o solo não seja prejudicado, o pacto é de que todo o terreno possa ser potencialmente para a produção de alimentos. Então, temos um espaço de reuniões e assembleias, ao lado um novo espaço para isso ainda está sendo construído através de mutirões, há uma cozinha coletiva, onde quartas e sextas há almoço comunitários com os alimentos produzidos no terreno e através de recicle. Esses almoços são frequentados pelas pessoas da ocupação, vizinhos e pessoas da universidade próxima, tudo a preço livre. Há no Lentilleurs diversas hortas, inclusive a que originou a ocupação em 2010, sendo uma horta coletiva e aberta. Em 2012 a ocupação inicial começou a se expandir pelo terreno, com hortas individuais ou coletivas/familiares com plantações diversas. Há uma horta coletiva de produção, onde o alimento é distribuído pelo bairro e vendido nos mercados próximos, sendo a atividade de renda principal de várias pessoas com estufas e irrigação (ainda que mantenha em algumas um caráter experimental dos modos de produção). Há também no terreno a Grange Rose, um dos primeiros espaços coletivos do bairro, feito inicialmente como um espaço para festas e reuniões. Ao lado o Rebuterie, um espaço de cuidados com plantas medicinais e remédios naturais tem sido construídos. Há também um espaço para material de construção para todo o bairro. Há um camping para receber as pessoas quando há festas e mutirões comunitários. O terreno conta também com um espaço onde famílias ciganas moram e desenvolvem renda arrumando carros. No terreno também há um espaço de montagem e reparos em bicicletas. E por fim, mas não menos importante há um barco pirata de madeira construído como um parquinho para as crianças!
A organização do Lentilleurs se dá por assembleia, uma vez por mês com os diversos projetos do bairro. Além disso há as assembleias de luta, agora que a relação com a prefeitura se faz mais presente. O espaço está lutando pela sua regularização, porém dos seus 8 hectáres a prefeitura requisita 1 hectar para a construção popular.
O espaço todo é um grande experimento de usos e também vida comunitária, com todas suas dificuldades e potencias. No dia que chegamos e demos nossa atividade, por exemplo, era o fim do Ramadã e uma banda do Tuareg tocava no Grange Rose, uma mistura de música tradicional e blues. No outro dia depois do trabalho diário das hortas, houve um show de música experimental e no outro mais um dia onde a cozinha comunitária recebeu cerca de 100 pessoas para comer.
No outro dia em Dijon fomos visitar o Tanneries, outra ocupação impressionante (um adjetivo que temos usado demasiadamente nesse tur nê). Um espaço ocupado inicialmente em um antigo abatedouro perto do Lentilleurs em 1998, por meio da luta e da pressão política e social conseguiram fazer um acordo com a prefeitura para conseguir um novo espaço em 2015. Construído seguindo a mesma lógica do anterior, o novo Tanneries conta com moradia, um espaço de atividades e um espaço para shows. Atualmente o local vem sendo expandido autonomamente com a construção de um espaço para a fabricação de cerveja e um novo espaço de ferramentas.
O espaço de atividades conta com uma grande área comum onde pode se ver tecido e cordas para atividades circenses, uma sala de cinema, uma biblioteca, uma cozinha industrial (depois descobrimos que há também um container com diversos materiais de cozinha que com o caminhão que eles também possuem, levam para diversos lugares para preparar comida), uma gráfica de risografia (que produz a linda revista do espaço e onde imprimimos mais materiais do livro “Casa Encantada”), no segundo andar há um espaço para crianças, uma sala de ensaios e atividades físicas, um espaço de manutenção de materiais eletrônicos, um incrível espaço de arquivo (onde se guarda materiais de memória da luta em Dijon, como revistas, panfletos, comunicados, fotos, etc.), um dormitório, espaço para banho e lavanderia.
O espaço para shows conta com um estúdio de ensaio, a parte de apresentação é um enorme galpão com capacidade de 700 pessoas com isolamento acústico, contando com camarins e na parte de cima espaço para abrigar as bandas e cozinha.
É um espaço com uma estrutura fantástica e quando os zapatistas em 2021 vieram em sua caravam pelo velho mundo, o Tanneries foi um dos espaços que os recebeu. Foram cerca de 180 zapatistas no espaço, incluindo o subcomandante Moisés.
Queremos agradecer ao Lentilleurs e ao Tanneries por nos receberem, principalmente a Lívia e Phil pela enorme acolhida e organização!