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Junho de 2013 e a necessidade de convocar o anjo da história
Junho de 2013 e a necessidade de convocar o anjo da história

Junho de 2013 e a necessidade de convocar o anjo da história

Por Gabriel Rios

“O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso”
– Walter Benjamin.

Diante de uma data simbólica que estamos vivendo – o marco de 10 anos das jornadas de junho de 2013 -, surgem evidentemente e esperadamente diversas versões sobre tal acontecimento histórico (este que de fato foi um acontecimento histórico segundo o conceito de história benjaminiano). Por isso, esse texto tratará de mostrar como junho de 2013 deve ser tratado, o que podemos tomar  desse acontecimento e porque usá-lo como arma, pretendendo ser um texto de combate às narrativas do vencedor.

Para esse combate de narrativas, usarei o conceito de história do revolucionário Walter Benjamin. O modo como esse autor pensa a história e as tradições insurrecionais das quais ele carrega em suas teses é fundamental para entender o que foi junho. Digo isso porque seus escritos já desbancam totalmente a narrativa que foi adotada pelo senso comum e a grande mídia: “junho de 2013 foi o começo da ascensão da direita e, principalmente, do Bolsonarismo no Brasil”. Essa narrativa é compatível com a ideia de progresso da história, da ideia de causa e efeito que os acontecimentos históricos possuem na progressão da história (esse modo de enxergar a história que é própria dos historicistas, segundo Benjamin). Mas diante dessa posição dos historicistas e dos progressistas acerca da história, os revolucionários entendem o passado de modo diferente: “O tempo passado é vivido na rememoração: nem como vazio, nem como homogêneo” (BENJAMIN, 1987, p. 232). Portanto, é uma experiência única da qual durante sua vivência “cada segundo era a porta estreita pela qual podia penetrar o Messias” (BENJAMIN, 1987, p. 232).

Junho é a pausa da história já em pausa e a continuidade da história humana. É possível tirar essa conclusão sobre junho de 2013, pois tais eventos são a implosão do continuum, a pausa da realidade instituída e a busca pelo novo. A possibilidade de uma nova forma de vida nasce ali, mas a superação dessa forma ainda há de ser feita. Em outras palavras, junho tem de ser tratado como uma insurreição e a visão benjaminiana o trataria assim. 

Para fazer jus à visão benjaminiana da história, tomo de empréstimo o conceito que o próprio Benjamin também elaborou em suas teses sobre o conceito de história: o conceito de ruínas. Que são o resultado do processo de progressão da economia política, se acumulando na medida em que esse modo de vida, linguagem e organização da humanidade permanecer e evoluir. A fé no progresso, e nos seus produtos técnicos, nos leva apenas a um caminho, segundo o autor: “a antiga moral protestante do trabalho”, o fascismo. Não por esse fenômeno da sociedade ser um resultado extraordinário, mas porque esse modo de vida é essencialmente fascista e miserável.

Por isso, a visão progressista da história nos leva somente a um caminho: o fascismo. Seu modo de enxergar a história e o mundo é a forma que possibilita a perpetuação do capitalismo. Junho de 2013 não é ascensão do Bolsonarismo e do fascismo no Brasil, essa ascensão começa no momento em que a social-democracia acaba com as chances de uma insurreição revolucionária se perpetuar. 

Sendo assim, relatos de pessoas que atuaram nas jornadas e tiveram o testemunho histórico desse fato são extremamente importantes para desmistificar a narrativa de que foram protestos de direita, pois foram exatamente o contrário: a maior revolta da história do Brasil! Uma revolta que tem marcas nessa sociedade, mas que estão tentando mascará-las com a narrativa do vencedor. O vencedor continua alimentando a pilha de ruínas e tenta transformar junho de 2013 em mais uma das ruínas que integram a história do tempo em pausa. O tempo em pausa é o tempo em que o capitalismo insiste em se perpetuar como forma organizacional da sociedade humana. Portanto, a narrativa que diz que junho de 2013 foi a ascensão do fascismo é a narrativa do vencedor, da burguesia, para esvaziar o que de fato foi esse evento e soterrar a história a contrapelo dos derrotados, a história da luta de classes.

Mas o que tirar de junho de 2013? Como utilizá-lo? São questionamentos que podem ser feitos ao final desse levante e sua pseudo derrota. Digo pseudo derrota, pois algumas vitórias podemos considerá-las, no fim das contas, como uma derrota (revolução russa) e algumas derrotas podemos considerá-las como vitórias (maio de 68). Junho de 2013 trata-se de uma derrota vitoriosa. Mas por quê? Não houve uma ascensão do fascismo no Brasil logo em seguida? Sim, houve, mas não por 2013 em si. Junho foi a negação radical da economia política, da mercadoria (vide mercadorias das quais os trabalhadores dificilmente têm acesso sendo queimadas como modo de construir barricadas) e de tudo o que a sociedade capitalista coloca à ordem do dia, e sob sua ordem. As experiências de ocupações das ruas, de instituições, a organização das assembleias horizontais e populares e tudo o que envolveu junho se perpetua na história como experiência, a real experiência que a humanidade pode ter.

Essa experiência, como algumas que tivemos anteriormente em outras partes do mundo, serve como prova de que algo novo é possível, que uma nova forma de organização da vida humana é possível.  E isso em nossa terra é novo, mas tem uma longa tradição da qual se inspira e consequentemente é o acúmulo e reflexo dessas outras experiências: maio de 68 (França), EZLN (Chiapas, México) sendo essas as mais conhecidas. O fato é que insurreições desse tipo tem se tornado cada vez mais frequentes, especialmente no século XXI, por todo o globo. Desse modo, devemos utilizar tais experiências para instituir novas experiências, aprendendo com seus erros e acertos, com as derrotas, as vitórias e as lutas que se estendem como Rojava. Apenas as classes revolucionárias são capazes de interromper essa continuidade desse modo de vida. Seus levantes, funcionam como aceleradores históricos nos quais impulsionam a humanidade para uma nova forma de vida. Nesse sentido, o momento de insurreição é um momento de pausa da realidade social instituída e da história na qual essa realidade se desenvolveu. Por isso, “no fundo, é o mesmo dia que retorna sempre sob a forma dos dias feriados, que são os dias da reminiscência. Eles são monumentos de uma consciência histórica” (BENJAMIN, 1987, p. 230). Ou seja, saímos de junho com uma maior consciência histórica, com o acúmulo de experiências.

Que junho de 2013 inspire novos junhos e que os lampejos de uma nova forma de vida limpem as ruínas da história. Que a verdadeira história humana se constitua e o movimento por uma sociedade comum se concretize em um futuro próximo. Pois, “somente a humanidade redimida poderá apropriar-se totalmente do seu passado. Isso quer dizer: somente para a sociedade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos” (BENJAMIN, 1987, p. 223). Aos derrotados, solidariedade e ternura, aos vencedores, combate e ódio.
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Esse texto é dedicado aos derrotados, desde a Comuna de Paris à junho de 2013 e, principalmente, àqueles que perderam suas vidas em luta.

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